“Cheguei”: sintaxe e semântica por trás dos recados de WhatsApp sob a luz da teoria gerativista de Noam Chomsky.

Ana Flávia Bueno Fabro (Curso de Letras, nível II – UPF)
Flávia Cristina Dalla Corte (Curso de Letras, nível II – UPF)
Lucas Guilherme Auler (Curso de Letras, nível II – UPF)
Stefanny Paulina Valente (Curso de Letras, nível II – UPF)

1  INTRODUÇÃO

A teoria gerativista proposta por Noam Chomsky, em suma, enfatiza a predisposição humana na aquisição de uma língua, a teoria do Inatismo; como se estivéssemos pré-programados em nosso DNA para aprender qualquer língua disponível no mundo. Também propõe a existência de uma gramática universal subjacente a todas as línguas humanas.

Por que, em toda a natureza conhecida, somente os seres humanos são capazes de adquirir uma competência linguística? Por que outros animais, ainda que sejam exaustivamente treinados, nunca conseguem alcançar uma competência linguística próxima à humana? 

Como é possível que as crianças adquiram a língua do seu ambiente tão rapidamente e de maneira tão espontânea e sem esforço aparente? Como elas conseguem construir o seu conhecimento linguístico se os dados a que são expostas não contêm todas as informações necessárias para esse feito? (Kenedy, 2013, p. 73) 

 A linguagem, em sua essência, é o pilar sobre o qual se apoia não apenas a comunicação humana, mas também a construção de nossas realidades sociais, culturais e individuais.  O presente ensaio tem como objetivo analisar a teoria Chomskiana e suas ideias sobre o Inatismo da linguagem humana, para, assim, poder entender como nossa mente exprime o sentido de um enunciado tão comum como um simples “cheguei”.

2  APRESENTAÇÃO

Na contemporaneidade, a comunicação tem sido realizada predominantemente por meio de plataformas digitais, e o WhatsApp se destaca como uma das mais proeminentes entre elas. No âmbito desta comunicação instantânea e prática, as mensagens se caracterizam como o núcleo das interações humanas. Através dessa pesquisa, buscamos compreender e ilustrar os recados do WhatsApp, explorando sua complexidade sintática e semântica sob à luz da teoria gerativista de Noam Chomsky.

3  A ANÁLISE

A aplicação da teoria chomskyana possibilitou não apenas a exploração da estrutura gramatical da mensagem, mas também a compreensão de como os usuários (mãe e filha) adaptam, transformam e compreendem a linguagem, originando uma nova forma de expressão. Além disso, a análise ampliou seu alcance semântico, investigando a construção e interpretação de significados no contexto específico do recado enviado pelo aplicativo.

Segundo o criador da teoria gerativista, Chomsky, possuímos em nossa mente estruturas profundas. Essas estruturas, fazem com que a mensagem transmitida possa receber o sentido desejado por quem o fala.

Na teoria chomskyana, destaca-se o papel das transformações como operações que agem sobre as estruturas profundas, resultando na formação de estruturas superficiais, que incluem as formas gramaticais e sintáticas finais presentes nas línguas naturais. Essas transformações desempenham um papel crucial para moldar de acordo com as regras gramaticais específicas de cada língua, permitindo assim a expressão da diversidade linguística observada.

A noção de estruturas profundas revela-se útil para lidar com a ambiguidade presente em sentenças, como exemplificado na simples situação da palavra “cheguei”. Mesmo quando uma sentença apresenta múltiplas interpretações na superfície, as estruturas profundas tendem a ser mais precisas, fornecendo uma base mais clara para a análise, pois as estruturas profundas representam a essência latente da mensagem, antes de serem transformadas em formas mais visíveis e suscetíveis a interpretações diversas.

De maneira mais sucinta, a abordagem chomskyana destaca a importância de considerar não apenas a superfície linguística, mas também as camadas mais profundas que fundamentam a estrutura da linguagem. Ao fazer essa análise profunda, ganhamos uma compreensão mais específica e rica de expressões cotidianas, como o caso exemplar da mensagem “cheguei”.

É a partir da estrutura profunda que os falantes (assim como os gramáticos) obtêm a forma real das sentenças, através de transformações que são regras que acrescentam, retiram ou mudam de ordem elementos da estrutura mais primitiva da frase. (SILVA, 2017, p. 103)

Observe agora:

Texto I

Texto II

Texto III

Fonte: recortes da conversa de WhatsApp entre mãe e filha.

Quando juntamos as duas imagens (Texto I e Texto II), temos a sentença: “Eu cheguei na UPF. Eu estou bem pois nada aconteceu durante a viagem.”

Após analisarmos as três construções, podemos perceber que um simples “cheguei” que rapidamente digitamos no WhatsApp, possui uma construção complexa para que possua sentido para nós. Para o criador da teoria gerativista, essas (Texto I e Texto II) seriam as estruturas profundas. Enquanto se fala apenas “cheguei” todo esse esquema está em funcionamento mental e inatamente para dar o sentido desejado à palavra.

Eis então que surgiram aqui certas dúvidas: Como uma única palavra pode ter interpretações diferentes dentro de cada contexto? Se a mesma mensagem tivesse sido enviada de um colega para outro, seguiria o mesmo raciocínio e significado? Como mãe e filha entendem e compreendem o “cheguei” de uma maneira tão profunda? Qual é o real signo da palavra “cheguei” e o que ela verdadeiramente expressa inatamente? Mas não houve um acordo entre mãe e filha dizendo o que o “cheguei” significaria. Ele é mesmo inato?

[…] tentar decidir qual é o fator mais importante na aquisição de uma língua, se os estímulos do ambiente ou se nossa dotação genética, é tão sem sentido quanto discutir se, na soma 2 + 3 = 5, o 3 é mais importante do que 2 para atingirmos o resultado final 5. (KENEDY, 2013, p.77)

4  CONSIDERAÇÕES FINAIS

O significado não é inato. A teoria do inatismo se constitui na dotação predisposta genética de aquisição de linguagem. Nossa “nuvem” aqui já vem preparada de fábrica, mas precisamos realizar o download das ferramentas linguísticas necessárias a cada um de nós.

Fonte: recorte do livro “Curso básico de linguística gerativa”, KENEDY, 2013, p. 74

[…] Por exemplo, podemos entender que não é correto dizer que a competência linguística seja inata. Como se vê na figura, a competência é, na verdade, o resultado de um processo. Isso, afinal, é óbvio. Ninguém nasce com a capacidade de falar especificamente português, inglês, hebraico, xavante, cherokee ou qualquer outra língua particular. O que temos ao nascer é a dotação genética que nos possibilita a aquisição da língua do ambiente, seja ela qual for. Dessa forma, em contato com os dados de uma língua-E, nossa faculdade da linguagem será capaz de encontrar as informações suficientes e necessárias para construir, ao longo de alguns anos, nosso conhecimento sobre fonologia, a morfologia, o léxico, a sintaxe, a semântica e a pragmática dessa língua. (KENEDY, 2013, p. 75) 

Podemos concluir então, que o inatismo está diretamente ligado à capacidade humana de adquirir, criar infinitas possibilidades semânticas e sintáticas, e compreender a linguagem. Em outras palavras, os seres humanos nascem com uma predisposição biológica para assimilar um sistema linguístico, e essa capacidade inata e universal é refletida pelas estruturas profundas. Nossa análise demonstrou que Chomsky concentrou sua atenção principalmente em questões relacionadas à estrutura da linguagem, buscando compreender as regras que regem a produção linguística. Nesse contexto, é interessante observar que Chomsky não se envolveu diretamente com a teoria do signo linguístico, deixando essa abordagem para nosso querido Saussure. Enquanto Saussure enfatiza a dimensão social e arbitrária do signo linguístico, Chomsky destaca a dimensão inata e universal da capacidade linguística humana. Essa divergência de abordagens ressalta as diferentes ênfases dadas pelas teorias quanto a compreensão da natureza e estrutura da linguagem.

Finalizando, falamos que: “Ninguém nasce sabendo tudo. Porém, segundo Chomsky, todos possuem a mesma capacidade de aprender tudo.”

REFERÊNCIAS

MEDEIROS, Alessandro Boechat. Resenha de: Os fundamentos da teoria linguística de Chomsky, de Maximiliano Guimarães. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/rl/issue/viewIssue/891/492 Acesso em: 12 nov. 2023


SILVA, José Pereira da. Estrutura profunda e sua importância na teoria formal da gramática. Linguagem em (Re)vista, v. 12, n. 24,  jul./dez. 2017. Disponível em:  http://www.filologia.org.br/linguagememrevista/24/04.pdf. Acesso em: 15 nov. 2023.


KENEDY, Eduardo. Inatismo. In: ______. Curso básico de linguística gerativa. São Paulo: Editora Contexto, 2013. p. 73 – 88.

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