A leitura como estímulo e aprendizado para crianças atípicas: a Coleção AEIOU, de Daniela Tartari Brusco

A convivência com uma criança com necessidades especiais requer dos adultos responsáveis maior compreensão sobre como a criança age e como se comunica para, assim, instruí-la e ajudá-la nas atividades rotineiras. Esse apoio pode vir por meio da literatura, estimulando, desde cedo, o prazer e o aprendizado através da leitura.

Com esse objetivo, no ano de 2018, a autora Daniela Tartari Brusco1, natural de Sananduva-RS, conseguiu um financiamento da Secretaria da Cultura do Estado do Rio Grande do Sul – SEDAC – por meio do edital cultural FAC – Fundo de Apoio à Cultura – para lançar uma coleção de livros voltados a ajudar de maneira lúdica, no desenvolvimento infantil de crianças com deficiências. A coleção intitulada AEIOU  é composta por 6 livros que procuram estimular a independência da própria criança em atividades diárias comuns, além de auxiliar os adultos envolvidos em como agir e estimular a criança, fortalecendo os vínculos entre eles. 

Escritora Daniela Tartari Brusco

Em 2018, foram impressas mil Coleções AEIOU, num total de seis mil livros, que foram distribuídos gratuitamente para vinte e sete municípios do Estado do Rio Grande do Sul, através das Secretarias de Educação municipais, APAES, professores, terapeutas e crianças. 

Em 2021, a Coleção AEIOU recebeu novamente patrocínio por leis de incentivo fiscal – a Lei Rouanet – e através do projeto Coleção AEIOU Acessibilidade, todos os livros ganharam versão digital acessível, com o desenvolvimento de livros animados e videolivro, com narração, legendagem, janela de libras e audiodescrição, além de uma tiragem em braile. Foram, então, impressas mais mil e oitocentas Coleções AEIOU, sendo quinhentas em braile. Desta vez, os livros foram distribuídos gratuitamente para mais de setenta e cinco cidades de todo o Brasil, em dezessete estados brasileiros. Os livros estão disponíveis de forma online e interativa no link:  https://editorabichinho.com.br/aeiou-acessibilidade.

Em entrevista, Daniela nos contou que a ideia principal de escrever livros se deu com o intuito de fornecer um material pedagógico para escolas e creches: “Quando o Davi, meu filho que tem trissomia do cromossomo 21, ou síndrome de Down, começou a ir para a creche, eu comecei a questionar as professoras sobre quais materiais eram disponibilizados para a educação de crianças com deficiências, quais os livros, brinquedos, materiais adaptados” e foi então que ela percebeu a escassez de livros específicos para crianças com deficiências: “eu fiquei muito impressionada por saber que com todo o avanço tecnológico e científico em que vivemos, não havia nada disponível específico na área de educação para auxiliar este público, em pleno ano de 2017”. Essa falta de recursos, confirmada pela autora, não ocorria somente na sua região, mas sim em nível nacional.

Daniela também conta que a coleção é composta de um livro para cada vogal (enfocando uma atividade de rotina diária) e um sexto livro sobre a escola (com foco na socialização). Por meio das ações dos personagens, cada um dos livros busca estimular as crianças na realização de atividades diárias, como escovar os dentes, tomar banho, ir para escola… Segundo Daniela, atividades realizadas de forma natural pelas crianças típicas não são tão simples para as crianças atípicas. Assim, a coleção AEIOU auxilia, de forma lúdica, nesse processo de aprendizado, ao mesmo tempo em que estimula o gosto pela literatura.

No processo de criação dos livros, a autora teve suporte de outros profissionais, como terapeutas, uma fonoaudióloga, uma psicopedagoga, uma terapeuta ocupacional e uma pedagoga especialista em estimulação precoce, além da ilustradora e da revisora dos textos. Assim, a coleção é resultado do olhar de uma equipe multidisciplinar que auxiliou a escritora levando em conta os objetivos a que os livros se destinam. Frutos das discussões em equipe, algumas diretrizes que nortearam os livros foram: o tema de cada livro deveria ser uma atividade de rotina diária; a linguagem simples, frases curtas, texto rimado; a fonte em caixa alta e tamanho grande; o papel de fácil manuseio; e as ilustrações deveriam ser coloridas e corresponder o mais exatamente possível ao texto escrito, contendo somente a informação importante. A decisão de colocar personagens como animais foi para dar ludicidade à leitura e poder aproximar as crianças do texto. No entanto, há um personagem humano, o Lelê do livro E, em homenagem ao Davi, filho da Daniela. 

Ao ser questionada sobre como foi a repercussão da publicação dos livros, Daniela nos conta que foi muito mais positiva do que ela esperava: “Como mãe atípica, o propósito que me movia internamente era poder ajudar outras mães nesta difícil tarefa de educar os filhos, ainda mais quando se trata de filho com deficiência. Só quem é mãe atípica sabe o que eu estou falando. E, é claro, ajudando a mãe a educar, eu estaria automaticamente atingindo a criança”. Ela também relembra momentos em que foi abordada recebendo feedbacks e agradecimentos sobre os livros, dentre eles o de uma professora de braile, de Campo Grande, que é deficiente visual e, através de um áudio, agradeceu Daniela pela produção do material, relatando que há anos não encontrava materiais para ensinar as primeiras leituras em braile e, por ela também ser mãe, viu nos livros um primeiro contato com a leitura para seus filhos. Outra mãe também entrou em contato agradecendo porque uma das histórias – a do Tinococô – conseguiu convencer o filho, que tem autismo, a ir ao banheiro ao invés de usar as pedrinhas. Várias mães também relataram usar o livro da Gigi para auxiliar no desfralde de seus filhos, mesmo que sem deficiências. Ou seja, Daniela então percebeu que muitas crianças tiveram os livros como porta de entrada para o processo de letramento e que, mesmo o enfoque sendo para crianças atípicas, ela conseguiu a aceitação de crianças típicas também, algo que não era esperado.

Amante da leitura e da escrita, a autora diz que quer “seguir crescendo como escritora na medida em que crescem seus leitores, mas sem perder de vista o público que tem alguma necessidade específica”. Além da coleção AEIOU, Daniela também publicou outras obras, como “Os Guardiões das Araucárias” (2021) e “Os Guardiões das Águas” (2023), com  conteúdos educacionais voltados à preservação ambiental. Também nessas obras a autora prioriza o acesso à leitura para todos, por isso os livros possuem conteúdo digital em formato em vídeo, com janela de libras, com audiodescrição e impressão em braile, fornecendo educação e leitura para todas as crianças com e sem deficiências.

Por fim, Daniela compartilha projetos futuros: “em 2024, já está confirmado o lançamento de novos títulos voltados para o público atípico, a Coleção Lobo Down: Quem Tem Medo do Lobo Down (para educação e inclusão) e Meus 7 Sentidos (para educação sobre os sentidos humanos).  Também está prevista a edição de um outro livro, voltado ao estímulo da criatividade e ao trabalho em grupos criativos, voltado não apenas ao público atípico, mas com a leitura acessível em meio digital.”

A coleção AEIOU, enfoque desta publicação, pode ser adquirida no site do Mercado Livre ou via contato no site da Editora www.editorabichinho.com.br.

A equipe Letrilhando agradece à autora pela entrevista e a parabeniza pelo importante e sensível trabalho que desenvolve!

  1. Sobre a autora: Daniela Tartari Brusco é formada no curso de Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba e especialista em Direito Internacional pela Universidade de Paris II – Panthéon – Assas, e  desde 2007 atua em projetos em leis de incentivo fiscal que visam o incentivo à cultura. Em 2023, recebeu o título de Dr. Honoris Causa pela ASBRAC – Associação Brasileira de Capelania Civil – Matrizes Africanas, e Faculdade FACETEN e FACTEFERJ. ↩︎

por Josiane Faqui Locatelli e Paôla Viera

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