[a’sĩ sI ‘sa.bI] & Assim se explica: parte 2

Perspectivas gramaticais

Caro leitor, em dezembro de 2022, submeteu-se à Revista Letrilhando, revista de caráter online da Universidade de Passo Fundo, um ensaio intitulado como: [a’sĩ sI ‘sa.bI] & Assim se explica. [a’sĩ sI ‘sa.bI] é a transcrição fonética (SILVA, 2003, p. 36) das palavras “assim se sabe”. De cunho linguístico, o trabalho visava discorrer a respeito do assim se sabe e assim se explica que constitui a trajetória dos docentes, enxergando a vida profissional da docência linguística como a ponte facilitadora do conhecimento dos alunos. Como questão central na discussão, está a importância do domínio técnico dos termos, mas também, o bom senso de que o aluno não precisa, necessariamente, ter o mesmo domínio do professor.

Dando sequência à linha de pensamento da primeira parte, o atual ensaio, o [a’sĩ sI ‘sa.bI] & Assim se explica: parte 2 objetiva abordar, criticamente, outra situação-exemplo. Trazendo outra forma possível de sairmos da caixa do assim se sabe, abdicando do uso de termos e teorias técnicas, para nos permitir adentrar e ampliar, ainda mais, a caixa do assim se explica. No capítulo 3 da obra Repensando a Didática, Antonia Osima Lopes fala a respeito da importância existente por detrás de um planejamento de ensino sob uma perspectiva crítica de educação, tencionando um processo integrador e significativo entre a escola e o contexto social do discente. É exatamente isso que prevemos construir no presente ensaio.

A tarefa de planejar o ensino passa a existir como uma ação pedagógica essencial ao processo ensino-aprendizagem, pois somente com um trabalho intencional e comprometido conseguimos, com base em conteúdos curriculares preestabelecidos, ampliar os conhecimentos de nossos alunos e propiciar-lhes oportunidades de avançar em busca de novos conhecimentos. (LOPES, 2005, p. 58)

Neste sentido, esperamos tornar perceptível a você, a partir das argumentações e exemplificações apresentadas a seguir, as consequências e diferenças de fazer-se o uso da gramática normativa e/ou funcionalista na sala de aula. Para isso, teremos como base, respectivamente, a Moderna Gramática Portuguesa de Evanildo Bechara e Que gramática usar na escola? Norma e uso na Língua Portuguesa de Maria Helena de Moura Neves. Essas duas perspectivas gramaticais serão analisadas a partir do ensino, em sala de aula, do substantivo enquanto sujeito da oração. Mas, com o intuito de aproximar você, leitor, do tema abordado, facilitamos sua compreensão fazendo o uso de exemplos didáticos.

Assim se sabe e assim se explica

Ao estudarmos a concepção de sujeito presente na Moderna Gramática Portuguesa de Bechara, nós, enquanto professores, ampliamos nosso conhecimento técnico a respeito desse conceito. A partir da gramática normativa, passamos a substantivar a nomeação de pessoas, lugares, animais, vegetais minerais, coisas, ações, estados e qualidades. Enxergamos esses aspectos como substantivos. Mas, vamos além, notamos que “quanto à função sintática, o substantivo exerce por excelência a função de sujeito […] da oração” (BECHARA, 2019, p.156). Ou seja, quando tais substantivos exercem função de sujeito, compreendemo-los e identificamo-los como termos essenciais da oração. Segundo Marlete Sandra Diedrich, Dra. em linguística, desprendemo-nos do comum e passamos a enxergar “muita coisa dentro do sujeito”. 

Apenas a título de exemplificação da maneira como nós, profissionais ou futuros profissionais das Letras, aprendemos e compreendemos o sujeito no âmbito técnico, vejamos os exemplos nas orações a seguir: 

Oração 1: João era um menino comum.
Oração 2: João e Maria corriam para a beira do rio.
Oração 3: Passou a infância na casa da avó.
Oração 4: Faz seis dias que não escrevo.
Oração 5: Roubaram o meu anel de brilhante.
(Exemplos meramente ilustrativos)

Enquanto profissionais, conseguimos observar tecnicamente e localizar nas orações dadas o sujeito nas suas cinco formas. Seguindo a ordem dos exemplos oracionais mencionados, notamos na primeira oração um caso de sujeito simples, sendo o “João” a pessoa da qual o verbo “era” se remete. Por outro lado, deparamo-nos na segunda oração com um caso de sujeito composto (mais de um núcleo), ou seja, “João” e “Maria” são os sujeitos que estavam correndo. Agora, no terceiro exemplo, encontramos um caso de sujeito desinencial/oculto (subentende-se a partir do verbo quem é o sujeito praticante da ação), aqui, ele (terceira pessoa do singular) é o sujeito oculto da oração. Na exemplificação quatro, por outro lado, temos um caso de sujeito inexistente (oração sem sujeito) uma vez que o verbo se encontra na forma impessoal (faz). Por fim, no quinto e último exemplo, deparamo-nos com o sujeito indeterminado, que é quando não sabemos quem pratica a ação verbal e o verbo, também, não marca esse sujeito. 

Conseguimos, mesmo que por meio de frases soltas e independentes de um contexto, identificar o sujeito e classificá-lo. Mas, devemos utilizar o mesmo exemplo e recurso explicativo quando se tratar do ensino básico? Quando o interlocutor for o aluno, para ele, fará sentido apenas identificar e classificar o sujeito de frases “soltas” e “fora” de contexto? Corrobora para a construção e desenvolvimento de conhecimentos futuros? Esse aprendizado será significativo para o aluno ou será apenas uma “decoreba”, perdoem-me pelo uso da expressão, para a prova? Vale a reflexão, caro leitor. 

Logo, ao se tratar de alunos do ensino fundamental e/ou ensino médio, não precisamos ensinar o que são os sujeitos com o mesmo cunho e nível técnico que nós o sabemos, menos ainda, utilizar-nos de termos e explicações gramaticalmente normativas. Podemos, ou melhor dizendo, devemos simplificar e facilitar a eles a compreensão. Dito de outra forma: poderíamos fazer o uso da gramática funcionalista ao realizar o planejamento do ensino desse determinado conteúdo curricular a fim de torná-lo próximo ao aluno.

Michèle Petit, reitera, em sua obra, que “o leitor não consome passivamente um texto, ele se apropria dele, o interpreta, deturpa seu sentido […]” (2013, p. 27). Isto é, por sabermos da importância de incentivar-se a cultura da leitura desde cedo, uma alternativa e sugestão seria, ao realizar-se um trabalho de leitura em sala de aula, por exemplo com o texto Figurinha 32, no livro Álbum de Figurinhas do escritor Carlos Urbim, podemos selecionar trechos da narrativa que tragam fortemente o uso de sujeitos e suas derivações. Como é o caso de “João”, sujeito simples que norteia todo o enredo da história. No texto de Urbim, torna-se o sujeito central, o praticante da grande parte das ações verbais. Ou seja, com base no sujeito “João” e em suas derivações (“ele”, por exemplo), faz-se a explicação ao aluno a respeito do que é um sujeito — isso, analisando o texto como um todo — e, consequentemente, os tipos de sujeitos que podemos nos deparar, não necessariamente no trecho de Figurinha 32, mas, sim, em outra narrativa qualquer.  

Dessa forma, além de compreender o sujeito e sua função, o aluno estará aprendendo que o uso das derivações de sujeito — simples, composto, desinencial/oculto, sem sujeito, indeterminado — corrobora significativa e positivamente para a não repetição de termos e palavras, mantendo, assim, a coesão e coerência que um bom e compreensível texto demanda. Vejamos alguns trechos de Figurinha 32 passíveis dessa análise:

Trecho 1:João não era um guri comum. Passou a infância
na Volta do Freitas, município de General Câmara […]”.
Trecho 2: “Sempre que podia brincar, João corria para a beira
do rio. […] E havia os cardumes de dourados vistos das barrancas. […]”.
Trecho 3: “Quando cresceu, sempre fascinado pelas pedras,
João se tornou o escultor Bez Batti […]”.
Trecho 4: “Até hoje ele guarda as lembranças e a coleção
de seixos que começou a fazer quando era gurizinho […]”.
(Fragmentos retirados do texto Figurinha 32 de Carlos Urbim, 2000)

Note que os termos sublinhados referem-se ao sujeito central, “João”, que representa o agente norteador das ações da narrativa. Aquele que dá mobilidade e vida ao texto. O fato de o sujeito transparecer por meio de verbos e pronomes, mesmo que às vezes, de maneira implícita, mantém a coesão da escrita e, consequentemente, a compreensão e entendimento do leitor ao que o autor, Carlos Urbim, quer transmitir.

Ao utilizar Figurinha 32 para exemplificar o sujeito, em resumo, estamos exemplificando, ao mesmo tempo, um contexto; um todo construído de sentido. Estamos proporcionando ao aluno uma teia de repertórios: escrita, texto, leitura, história e social. Ou seja, tornamos a aprendizagem significativa. O aluno percebe a ausência das palavras e nota a importância e necessidade delas no todo: o texto.

A normativa torna-se funcionalista quando o assunto é aluno

Infere-se, então, a importância de professores qualificados tecnicamente, mas sobretudo, qualificados humanamente. Passíveis e dispostos a transformações. Não tenho dúvidas de que a docência precisa ser prazerosa para quem está exercendo-a. Isso é fato. Precisamos utilizar recursos e técnicas que nos deixem confortáveis e seguros diante dos discentes. Mesmo assim, acredito ser de grande valor disponibilizarmos de um olhar atencioso e individual aos nossos alunos, observando se nossas explicações estão chegando até eles de maneira eficiente ou se estão apenas elevando o quanto sabemos a respeito dos termos técnicos, o que, somente, fortalece as barreiras e percalços que dificultam a troca de conhecimento mútuo. 

Esses empecilhos podem vir da parte do aluno sim, mas não se esqueça de que eles também podem vir da nossa parte. Por que não aderir à gramática funcionalista em sala de aula? Será que ela desqualifica a gramática normativa e o nosso conhecimento técnico a respeito das questões voltadas ao sujeito, por exemplo? Portanto, voltar o olhar para si, também faz-se necessário para que as mudanças no ensino educacional ocorram. “Educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas mudam o mundo” (FREIRE, 1987, p. 87).

REFERÊNCIAS
BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 39a ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2019.
DONIDA, Camila. [a’sĩ sI ‘sa.bI] & Assim se explica. Ed. v. 5. Rio Grande do Sul: Revista Letrilhando, 2022.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17a ed. São Paulo: Paz e Terra, 1987.
NEVES, Maria Helena de Moura. Que gramática estudar na escola? Norma e uso na Língua Portuguesa. 4a ed. São Paulo: Editora Contexto, 2011.
PETIT, Michèle. Leituras: do espaço íntimo ao espaço público. 1a ed. São Paulo: Editora 34 Ltda, 2013.
SILVA, Thais Cristófaro. Tabela fonética consonantal. In: SILVA, Thais Cristófaro. Fonética e Fonologia do Português: roteiro de estudos e guia de exercícios. 7a ed. São Paulo: Editora Contexto, 2003.
URBIM, Carlos. Álbum de Figurinhas. In: URBIM, Carlos. Figurinha 32. 1a ed. Editora AGE, 2000.
VEIGA, Ilma Passos Alencastro. Repensando a didática. In: LOPES, Antonia Osima. Planejamento do ensino numa perspectiva crítica de educação. 22a ed. São Paulo: Editora Ltda, 2005.


por Camila Donida

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