Português brasileiro como língua adicional e de acolhimento: novas experiências no curso de Letras

1 Contextualização

O ensino de português para falantes de outras línguas (PFOL) é uma atividade recente no Curso de Letras UPF, apesar de ser uma demanda crescente em nossa cidade e região. Essa proposta está vinculada ao projeto de extensão Linguagens e Práticas Sociais (LPS), sob a coordenação geral pela Profa. Marlete Sandra Diedrich, sendo, também, uma ação vinculada à Cátedra Sérgio Vieira de Mello1 UPF. Diante disso, o objetivo deste texto é apresentar o subprojeto Português Brasileiro para Falantes de Outros Idiomas, discutindo os conceitos de língua adicional e língua de acolhimento, assim como, destacar o perfil de estudantes que constituem a turma 2023/2.

De acordo com o Balcão do Migrante UPF2, ocorreram, em torno de 2 mil atendimentos a pessoas oriundas de outros países que vieram para Passo Fundo e região. Esse dado demonstra que a mobilidade de imigrantes é um fenômeno que vem crescendo nessa região, reforçando a necessidade de oportunidades para que essas pessoas estudem nosso idioma. Para essas pessoas, aprender português é fundamental para a inclusão social e para ter mais e  melhores chances de trabalho digno.

Na perspectiva de quem ensina, professores e graduados em Letras, o PFOL é mais uma possibilidade  de inserção no mercado de trabalho e uma valiosa experiência de ativismo social. Dessa forma, cursos dessa natureza se justificam pelas implicações sociais, bem como, pelo fato de dar condições para que o estudante de Letras desenvolva suas competências profissionais em um contexto diferente do tradicional, que seria o ensino de português para brasileiros.

Em um trabalho intensivo de alinhamento do curso de Letras às demandas da Agenda 2030, no primeiro semestre de 2023, 8 estudantes da disciplina de Tópicos em Linguística Aplicada e um colaborador do doutorado em História UPF, tiveram a oportunidade de preparar e ministrar um minicurso de português. Sob a supervisão da profa. Cleo Pletsch, foram oferecidas 12 horas de aula,  para um grupo de 17 imigrantes de diferentes países da América Latina.

Já, de agosto a novembro, neste semestre, acontece o curso Português brasileiro: língua adicional e de acolhimento, com duas horas semanais de aula3, destinado a imigrantes e refugiados. Esta nova ação do projeto LPS é coordenada pela Profa. Luciane Sturm, com a colaboração das professoras Janci Hübner e Cleo Pletsch, contando, ainda, com duas bolsistas, Lauren Valendorff Candeia, Paidex e a Patrícia Braciak, de Iniciação Científica.

2 Por que língua adicional e de acolhimento?

Ensinar PFOL na perspectiva de língua adicional e de acolhimento traz implicações importantes que merecem ser destacadas.

De acordo com Schlatter e Garcez (2009, 2012), língua adicional significa a aquisição de mais uma língua, diferente de sua língua materna. Esse termo é utilizado para enfatizar que essa língua não é necessariamente uma segunda, devido ao fato de que comunidades de surdos, indígenas, imigrantes e seus descendentes podem ter mais de uma língua. Para os autores, a aquisição de uma língua adicional é útil e necessária, sendo parte da constituição da cidadania contemporânea, de modo que o falante sinta-se envolvido na comunicação dentro de um contexto social e cultural.

Além disso, ensinar PFOL, também pode trazer a perspectiva da língua de acolhimento. As expressões acolher/acolhimento implicam oferecer ou obter refúgio, proteção ou conforto físico; amparo; hospitalidade. Diante disso, nada mais acolhedor do que ensinar nosso idioma e promover essa acolhida. Nosso português é o idioma que acolhe o indivíduo em nosso contexto, em um novo ambiente como o próprio nome diz, acolhedor, especialmente em contextos de imigração e/ou refúgio. É um aprendizado sem obrigações, nem imposições, mas que visa facilitar a interação entre diferentes povos e culturas, por meio de uma comunicação mais produtiva e inclusiva, na sociedade local.

Portanto, ao falar de línguas adicionais, é importante considerar, também, aspectos culturais intrínsecos à língua, de modo que o falante desenvolva suas habilidades linguísticas para se expressar eficazmente no cotidiano. Dessa forma, também se dará o acolhimento do indivíduo em sua nova comunidade. Esses aspectos provocam reflexões sobre a natureza da língua, sua propriedade, propósitos e sobre a relevância do novo aprendizado para cada ser humano que necessita dele. Sim, há essa necessidade! Mesmo que não tenham a obrigação de aprender nosso idioma, ao alcançar essa meta, o imigrante e/ou refugiado tem mais condições para conseguir melhores oportunidades de emprego digno e inserção social. Por tudo isso, o curso oferecido neste semestre foi intitulado Português Brasileiro como Língua Adicional e de Acolhimento.

3 Nove países e seis idiomas: o perfil da turma 2023/2

A sala de aula, muito animada e diversa, conta, neste semestre, com a presença de estudantes de 9 países: Chile, Cuba, Haiti, Peru, Uruguai, Venezuela, da América Latina e   Senegal, Benin e Madagascar, da África. A turma é composta por 19 estudantes, dentre eles 7 homens e 12 mulheres, sendo o mais idoso com 71 anos e o mais jovem como 22 anos.

A variedade de nacionalidades se reflete, também, na multiplicidade de idiomas falados, abrangendo espanhol, francês, crioulo, malgaxe e wolof, sendo que alguns dos participantes, já chegaram no Brasil falando mais de um idioma,   se constituindo como  bilíngues ou plurilíngues. É um espaço translinguar, no qual todos aprendem muito além da língua portuguesa, pois, na negociação de significados e sentidos, de forma natural, todos os idiomas entram em jogo em comparações, aproximações, exemplos; diferentes estratégias de comunicação são usadas para a compreensão mútua. Muito além de ensinar um sistema,  aprendemos empatia, solidariedade, aprendemos a ensinar diferente e a escutar o outro.

Quanto ao nível de conhecimento da língua portuguesa, podemos dizer que poucos são aqueles de nível inicial no idioma. Embora tenham indicado no formulário de inscrição,  somente o conhecimento de palavras básicas, percebemos, ao longo das aulas,  que muitos possuem um nível de compreensão oral muito bom. Da mesma forma, a fala de grande parte do grupo é significativa, mesmo que muitos usem o portunhol ou portocês (português com francês), pelas semelhanças entre os idiomas.

Em relação ao tempo que moram  no Brasil, suas realidades variam de 7 meses a 8 anos, sendo que parte deles deseja aprender mais a língua portuguesa para encaminhar o processo de naturalização brasileira. Por outro lado, há religiosos missionários que estão de passagem pelo país, permanecendo por um período curto de tempo. Nesse grupo, temos 7 que estão trabalhando, 4 em missão religiosa e 8 que não exercem atividade profissional, no momento.

4 Perspectivas futuras

Este projeto está com excelentes expectativas para 2024, pois, participamos de um edital relacionado a prática de empreendedorismo social, proposto pela UNESCO em parceria com a Nestlé, na abrangência da América Latina. Com isso, mais dois colaboradores foram agregados ao grupo, a estudante Carleane Marachim, de Letras Portugês/Espanhol e o Prof. Mateus Fiorentini do curso de História. A proposta intitulada “Formação linguística de português para imigrantes no sul do Brasil” foi uma das selecionadas entre 915 propostas. Dessa forma, com o apoio da UPF, temos certeza de que o projeto terá continuidade e importantes desdobramentos no âmbito acadêmico.

Aqueles interessados em participar do projeto e adquirir experiências nessa área, podem ficar atentos, pois, em breve, novas oportunidades serão abertas para a participação de acadêmicos.

  1. Desde 2003, o ACNUR implementa a Cátedra Sérgio Vieira de Mello (CSVM) em cooperação com universitários nacionais. Ao longo dos anos, a Cátedra tem se revelado um ator fundamental para garantir que pessoas refugiadas e solicitantes de refúgio tenham acesso a direitos e serviços no Brasil, oferecendo valioso apoio ao processo de integração local.https://www.acnur.org/portugues/catedra-sergio-vieira-de-mello/  ↩︎
  2. O Balcão do Migrante e Refugiado é um projeto de extensão do curso de Direito UPF;  tem como escopo ser um local de referência e acolhida aos migrantes e refugiados de Passo Fundo e região, realizando o atendimento das demandas advindas do processo migratório, contribuindo com a reinserção social dos migrantes e refugiados. É uma das ações vinculadas à Cátedra Sérgio Vieira de Mello. https://www.upf.br/ecj/curso/direito/extensao/projeto-balcao-do-migrante-e-refugiado ↩︎
  3. O curso acontece no turno da tarde, no Campus I UPF,  para interessados a partir de 15 anos, com duração de 30 horas. ↩︎

Referências
RIO GRANDE DO SUL. Referências curriculares do Estado do Rio Grande do Sul: linguagem, códigos e suas tecnologias. Porto Alegre: Secretaria de Estado da Educação, Departamento Pedagógico 1 (2009): 127-172.
SCHLATTER, Margarete; GARCEZ, Pedro de Moraes. Línguas adicionais na escola: aprendizagens colaborativas em inglês. Edelbra Editora Ltda, 2012. 


por Lauren Valendorff Candeia, Acadêmica do VI nível de Letras, bolsista Paidex.
Patrícia Braciak, Acadêmica do VI nível de Letras, bolsista de Iniciação Científica.
& Luciane Sturm
, Professora do Curso de Letras e PPGL UPF; coordenadora do sub-projeto Português brasileiro para falantes de outros idiomas. E-mail lusturm@upf.br

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