Pedagogia dos multiletramentos: os “multi” que modificam (e atualizam) a prática docente – Resenha Crítica

A formação em letras e o futuro como professor exige, na atualidade, novos atributos. As salas de aula não precisam mais serem compostas de classes enfileiradas, em que o quadro negro é o principal (e único) aparato pedagógico, e o professor,  “detentor de todo o conhecimento”, não utiliza outras práticas além da velha aula expositiva. Hoje o cenário é outro. As salas de aula estão cada vez mais diversificadas, devido à chegada de novas tecnologias que modificam a vida contemporânea e as diversas juventudes que frequentam os espaços escolares, com vivências e expectativas diferentes. Um ambiente de ensino que não leve em conta esse novo cenário não consegue dar conta de introduzir, com qualidade, esses jovens no mercado de trabalho – tão exigente acerca das soft e hard skills. Uma das leituras propostas na disciplina de Multiletramentos e Práticas Sociais alerta sobre a urgência de atualizar esse cenário. 

O texto escrito por Roxane Rojo, “Pedagogia dos Multiletramentos: diversidade cultural e de linguagens na escola”, presente na obra Multiletramentos na escola, traz importantes considerações acerca do trabalho pedagógico envolvendo os multiletramentos. Separado por tópicos interrogativos, o capítulo discorre desde a origem do termo “multiletramentos” até como aplicá-lo, eficientemente, no contexto escolar. Durante o colóquio do Grupo de Nova Londres, em 1996, um grupo de pesquisadores dos letramentos criou um manifesto (A Pedagogy of Multiliteracies – Designing Social Futures) defendendo a necessidade de uma pedagogia dos multiletramentos, devido aos novos letramentos emergentes na contemporaneidade e às diversidades culturais presentes nas salas de aula. Em vista da junção da multiculturalidade característica das sociedades globalizadas e da multimodalidade de textos por meio da qual essa multiculturalidade se comunica, surgiu o termo “multiletramentos”.

Nesse manifesto, o grupo afirmava a necessidade de a escola tomar a seu cargo (daí a proposta de uma “pedagogia”) os novos letramentos emergentes na sociedade contemporânea, em grande parte — mas não somente — devidos às novas tics, e de levar em conta e incluir nos currículos a grande variedade de culturas já presentes nas salas de aula de um mundo globalizado e caracterizada pela intolerância na convivência com a diversidade cultural, com a alteridade. (ROJO, 2012, p. 12)

Diferenciando-se do termo “letramentos”, que engloba a multiplicidade e variedade das práticas letradas, valorizadas ou não nas sociedades em geral, os “multiletramentos” apontam para esses dois tipos específicos de multiplicidades (cultural e semiótica).  Tratar desses dois aspectos é importante para que seja dada a visibilidade, em sala de aula, das diversidades de culturas presentes na sociedade – em vista de que, na atualidade, as culturas se hibridizam, não podendo estereotipá-las – e tomar isso como uma ferramenta para acolher as diferentes formas de expressão, aproximando as juventudes do ambiente escolar. Citando o antropólogo García Canclini, Rojo explica: 

Como bem mostra García Canclini (2008[1989]), esses pares antitéticos — cultura erudita/popular, central/marginal, canônica/de massa — já não se sustentam mais faz muito, nem aqui nem acolá… Os híbridos, as mestiçagens, as misturas reinam cada vez mais soberanas. Para o autor, a produção cultural atual se caracteriza por um processo de desterritorialização, de descoleção e de hibridação que permite que cada pessoa possa fazer “sua própria coleção”, sobretudo a partir das novas tecnologias. (ROJO, 2012, p. 16).

O texto coloca em questão que, com o advento das tecnologias, novas possibilidades de comunicação e acesso a novos meios culturais surgiram. Sendo ferramentas que permitem o uso “mais do que para a mera interação, para a produção colaborativa” (ROJO, 2012, p. 24), muda-se o cenário antes conhecido, em que havia um controle unidirecional da comunicação e da informação. Isso faz com que novas culturas sejam apresentadas e valorizadas, pois não se depende mais do controle de publicação e divulgação. Também, essas tecnologias envolvem múltiplas semioses e exigem conhecimentos – letramentos – específicos nos processos de interação.

Isso tudo leva à parte final do texto, em que se trata de como implementar a pedagogia dos multiletramentos nos currículos escolares. O grupo de Nova Londres propõe quatro princípios, que são apresentados no texto por meio de um diagrama com quatro quadrantes que se relacionam e se completam. O “mapa dos multiletramentos” divide-se em Usuário funcional, Criador de sentidos, Analista crítico e Transformador. No geral, todos esses aspectos são importantes para formar um aluno que consiga, além de ser alfabetizado nessas práticas de multiletramentos, utilizá-las com consciência, tirando o aluno do local de apenas receptor de conhecimento e o colocando como construtor de novos sentidos. Isso tudo, no contexto escolar, pode ser trabalhado por meio de práticas situadas: os projetos. Por fim, o texto deixa claro que há muitos desafios, mas que se houver adesão por parte de alunos e professores a essas ideias, os desafios tornam-se pequenos.

Hoje, no Brasil, é não só perfeitamente possível, como desejável (e, de certa forma, desejada por uma grande parcela dos professores) a adoção de uma didática dessas. Sinto uma grande adesão dos docentes aos princípios que subjazem a esse tipo de concepção de educação. Nossos desafios não estão no embate com areação, mas em como implementar uma proposta assim:(a) o que fazer quanto à formação/remuneração/avaliação de professores; (b) o que mudar (ou não) nos currículos e referenciais, na organização do tempo, do espaço e da divisão disciplinar escolar, na seriação, nas expectativas de aprendizagem ou descritores de “desempenho”, nos materiais e equipamentos disponíveis nas escolas e salas de aula. Mas esses gigantescos desafios parecem bem pequenos se de fato tivermos a adesão dos professores e alunos a essas ideias. (ROJO, 2012, p. 31). 

Com uma linguagem acessível e exposição didática, a autora explana sobre questões que precisam ser levadas em consideração na educação atual, não apenas nas aulas de Língua Portuguesa ou Inglesa, mas em todas as áreas do conhecimento. Nesse sentido, o texto de Rojo se configura como uma leitura indicada para todos os cursos de licenciatura.

Referência
ROJO, Roxane. Pedagogia dos Multiletramentos: diversidade cultural e de linguagens na escola. In: ROJO, Roxane; MOURA, Eduardo (Orgs.). Multiletramentos na escola. São Paulo: Parábola Editorial, 2012. p. 11-31.


por Yasmim Dornelles
Acadêmica do 4º nível de Letras Português/Inglês

Deixe um comentário